quinta-feira, 7 de fevereiro de 2019

O VAZIO É CHEIO DE COISAS


POEMA MÜHLEMBERG
Há algo que me marcou profundamente nesse espetáculo de Poema.
A absoluta exatidão de movimentos em que o olhar dela puxa as mãos e as mãos seguem lenta lenta lentamente puxando os braços, os braços os ombros, os ombros o tronco subdividido em músculos e músculos e pernas que agarram e pés ganchos ou pouso suave.
Isso, o pouso suave de um corpo vigoroso. Poema faz crer que há lei da gravidade sim pois há corpo e força. Mas ao mesmo tempo tudo flui como se essa maldição da Terra não existisse. A natureza dela ama se esconder- fusus criptestai filein- sob uma fluidez calma, mansa e delicada. E quem disse isso foi Heráclito e quem comentou foi Heidegger .
Então, me desculpem, não sei se o que vou dizer é para se pensar.
1-     Perguntas para críticos e corpos em movimento
Em geral, pegamos a coisa, dividimos em pedacinhos e esvaziamos a carcaça e reenchemos tudo com o mais deslavado dos racionalismos: explicamos tudo. Se não podemos falar sobre as coisas de que elas nos adiantam? Nossa voz é nosso movimento de posse do mundo.
Em geral dizemos ”entendemos” e com isso dizemos engoli, degluti, faz parte de mim agora. Conhecer é um movimento de colocar para dentro tudo o que se move fora de nós. Quantas metáforas sobre o conhecimento, sobre a arte, a cultura, como alimento! Cultura já é um legein, colher e como tal revela o alimento.
Conhecer se põe como movimento em direção ao interior. Nosso, do mundo. A isso chamaram arché: o princípio. De princeps, primeiro, portanto supondo muitos. Trocamos no ocidente pós Darwin esse termo por “origem”, ponto onde se origina, onde começa. E com isso iniciamos nossa gigantesca matança da multiplicidade e da diversidade. Diferentemente, princeps, principal , greco-romano, gera Outros, Diversos.
Então um oco pode ser princeps, dificilmente origem. Aqui só um  zen  colocaria a metáfora do conhecer num bambu cujo centro é um oco. Que vazio é esse se só sabedoria?
Há um conhecimento contudo que nos exterioriza, nos abre ao meio e  nos deixa à mostra.
Como saltar do bambu para o movimento, para a dança?
Usar primeiro os olhos não para o externo, vara, número um pitagórico dependurado  em desenho de luz- mas o interno, oco, princeps lotado de toda sabedoria dos Outros, segundos, terceiros, infinitos, ilimitados, apeiron?
Como? Voltando a uma das teses capitais de Aristóteles: a da inexistência do vazio (Kénon) absolutoseparado dos corpos. Não há lá vazio sem corpos. E essa é a profundidade oca do termo apeiron;  vazio, cheio de ilimitações. Como continuar a supor como Kant, opondo-se a Aristóteles, que sendo forma a priori da sensibilidade o vazio não teria corpos?
E já que estamos entrando no universo do sensível, como saltar do oco do bambu, que ama se esconder como a natureza, para a dança, se essa é movimento, e se movimento se expõe ao olhar?
Ou se dizendo novamente: Aristóteles escreveu sobre o vazio, referindo o movimento local (Phorá), ou seja, o movimento de um corpo de um lugar para outro:
Como recuperar então o movimento de um corpo no vazio? Voando? Voando singularmente? Voando com os outros? Originando dança, principiando dança, dançando com os outros?
Como recuperar o vôo, se não somos zen, não somos aristotélicos, não somos gregos, não somos nada além de um corpo?
Vou repetir. Não sei se o que vou dizer é para se pensar.
Dança-se com os olhos- ensinou-me um dos livros do Yakusha Rongo,
Porém.
A dança contemporânea de Poema Mühlemberg ousa apagar nosso olhar e nosso  espaço descendo uma noite em palco e deixando nosso olhar vagar no vazio, no ilimitado no apeiron lá onde tudo se inicia e tudo se movimenta. Ousa iniciar a arché – o início primordial- com chuva, água, elemento em que Tales de Mileto supunha estar dependurada a Terra.
Para rapidamente ousar supor o ilimitado, apeiron, o vazio e transformá-lo no principio de tudo, na arché, seguindo os passos de Anaximandro contra Tales. E ainda num mesmo balanço dos movimentos do Universo, ousa como os pitagóricos postular que do vazio nasce um ponto, o numero um, e o pendura, agora vara de bambu, no centro da escuridão e evolui por sobre ele nos envolvendo o olhar.
Vou repetir. Não sei se o que vou dizer é para se pensar
2-Sobre bambus
No Japão e na China acredita-se que seu tronco oco, serve de morada aos deuses.

3- sobre busca da sabedoria no vazio
Há um ensinamento zen sobre o interior oco do bambu. É como um espaço livre que deveríamos deixar em nossa mente. Uma abertura em nosso ser.
4- sobre o Vazio
o objeto da filosofia é, para Spinoza, o vazio., (althussser)
5- sobre o Vôo, e o vôo bem sucedido de Poema
et caelum certe patet; ibimus illac:
e o céu certamente está aberto: é para lá que iremos
omnia possideat, non possidet aera Minos."
pois
Minos posue tudo, o ar Minos não possue.
Ovidio, metamorfose,viii
Todo vôo dessa menina me parece uma oferta
para enfrentarmos os que nos prendem à terra,
mas não são donos dos céus.
6- um pouco de história dos võos mal-sucedidos
We have always envied birds their wings. From angels to superheroes, avian-human hybrids have been fixtures of myth, legend and art. In the 9th century, the celebrated Andalusian inventor Abbas ibn Firnas fashioned a pair of wings out of wood and silk, attached them to his back, covered the rest of his body in feathers, and jumped from a promontory. He avoided the fate of his forebear Icarus, but a witness reported that ‘in alighting… his back was very much hurt’. Leonardo da Vinci sketched scores of plans for winged, human-powered flying machines called ornithopters. Batman’s pinion-pointed cape looms over popular culture. ‘Red Bull gives you wings,’ promise the energy drink’s ads.
Novamente:
porque insistir que eu fale na parte técnica sobre gente que está além da técnica , que é simplesmente monstro? Nunca vi tantos num só festival.

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