terça-feira, 9 de agosto de 2022

 

CONSTRUÇÃO DO ATOR

ATO I


ATO I

DATA 05/08/2022

PROF. PAULO MICHELOTTO

 

HÁ MUITO O QUE FALAR.

VOU ESCREVER PARA OS ALUNOS

VOU ENUMERAR SÓ PARA ME FACILITAR

1.1.    A ORGANIZAÇÃO DA SEQUÊNCIA DOS ESPETÁCULOS FOI MUITO BEM FEITA. ABRIR COM PARTILHAR E FECHAR COM GERMINAR FOI UM GOLPE DE MESTRE.

1.2.    ME ENTENDAM: QUEM SOU EU PARA COMPARAR PEÇAS, ESPETÁCULOS, ATORES. ENTÃO O REGISTRO ACIMA QUER APENAS DIZER QUE OS ESPETÁCULOS CITADOS MOSTRARAM UMA QUASE-PERFEIÇÃO. DITO DE OUTRA MANEIRA: EU TERIA A HONRA DE ASSINAR EMBAIXO.

1.3.    DIZENDO UM POUCO MAIS: EU TRABALHEI 40 ANOS EM UNIVERSIDADES. O ORGULHO QUE TENHO POR ESSE TRABALHO TERIA SIDO O MESMO SE EU TIVESSE TRABALHADO  40 ANOS NA CONSTRUÇÃO DO ATOR JUNTO COM EMMANUEL E JULIANA. 

1.4.    DIZENDO UM POUCO MAIS AINDA: TIVEMOS O PRAZER DE ENTRAR, DURANTE UMA NOITE, EM TEXTOS NA MAIORIA NADA FÁCEIS E BONS REPRESENTANTES DA GRANDEZA DE NOSSA ARTE. FUI PROFESSOR DE DRAMATURGIA, ENTRE OUTRAS COISAS E POR ISSO MESMO TENHO CERTEZA DE QUE MINHA EXPERIÊNIA FOI AINDA MELHOR QUE A DO RESTO DO PÚBLICO, POIS SÓ PUDE SENTIR NO PALCO -COMO SE FOSSEM FILHOS MEUS-  O TEXTO DE BRUNO, DE EMMANUEL E AS ADAPTAÇÕES DE EMMANUEL, QUE SEI BEM, POR TÊ-LO FEITO TANTAS VÊZES, O QUANTO É UM TRABALHO IMPORTANTE E O QUANTO PENOSO TERMOS DE VESTIR A PELE DO AUTOR E ASSIM ABRIGADOS NOS MUDARMOS TEXTUALMENTE PARA FALAR COM NOSSA TERRA, NOSSA GENTE, NOSSA ÉPOCA. QUERO MUITO LER TODOS TEXTOS DELES.

1.5.    FECHANDO ESSAS CONSIDERAÇÕES INICIAIS MAIS GERAIS, PRECISO DIZER- E NÃO É SÓ DE CORAÇÃO PORQUE PODE PARECER PURA BONDADE MINHA, MAS É DE CÁTEDRA, EM CIMA DA RAZÃO E DO SABER QUE NOS SUSTENTARAM: EU JÁ PARTICIPEI DE UM SEM NÚMERO DE APRESENTAÇÕES DE ALUNOS EM ESCOLAS DE TEATRO FORA DA ACADEMIA, E TODAS ELAS FALAM TANTO DOS ALUNOS QUANTO DOS SEUS MESTRES. SÓ POSSO DIZER DE VOCÊS QUE NUNCA- VOU REPETIR PARA QUEM NÃO PRESTOU BEM ATENÇÃO À PALAVRA: NUNCA- VI ALUNOS TÃO BEM PREPARADOS. JURO QUE ENQUANTO ASSISTIA ME VINHA À CABEÇA ALUNOS POR EXEMPLO DO ANTIGO E VENERÁVEL CURSO DE ESPECIALIZAÇÃO DE MEU DEPARTAMENTO. NENHUM CHEGOU TÃO BEM AO FIM. NÃO ENTENDAM COMO COMPARAÇÃO, NÃO SE COMPARAM ESSAS COISAS- É QUE NÃO TEMOS TERMOS EXATOS E MELHORES PARA PODER INDICAR O GRAU DA QUALIDADE DE UM TRABALHO COMO O QUE VI NESSA NOITE. SINTAM-SE ORGULHOSOS COMO SE SENTIRAM, NAQUELES ANOS, OS MENINOS MAIS VELHINHOS E JÁ FORMADOS EM ARTES CÊNICAS QUE TERMINARAM NOSSO CURSO DE ESPECIALIZAÇÃO EM FORMAÇÃO DE ATOR.

1.6.    MAS VOCES PODEM SAIR DIZENDO POR AÍ QUE VOCES ME FIZERAM BABAR UM POUCO MAIS.

2.       NÃO VOU SEGUIR A FICHA. ESTÁ BEM-FEITA PARA ACOMPANHAMENTO DE TRABALHO DOS ALUNOS. GOSTEI DE LÊ-LA. PORÉM DADA A RAPIDEZ ENTRE PEÇAS (SENHORES, SAMUEL BECKETT IRIA RALHAR COM VOCES. O QUE VIMOS ALI FORAM 12 PEÇAS TEATRAIS. E PONTO), ESCREVER NO ESCURO, ESCREVER À MÃO DEPOIS DE ANOS DIGITANDO EM COMPUTADORES (E MESMO ANTES, NUNCA CONSEGUIA LER DEPOIS) MINHA TAREFA FICARIA MUITO COMPLICADA. LOUVO, ADMIRO E VENERO QUEM CONSEGUE, MAS TALVEZ POR CAUSA DE MEUS OLHOS JÁ CANSADOS E FRACOS E MINHA MÃO IDOSA E TRÊMULA, EU NÃO CONSIGA MESMO.( favor ler isso ouvindo a sugestão de Polly: https://www.youtube.com/watch?v=U6lO5L_tNNo )

3.       O QUE COMPENSO COM MINHA PRODIGIOSA MEMÓRIA, TREINADA AO LONGO DO FAZER MEUS EM CENA, TEXTOS GIGANTESCOS DE TEATRO. No tempo do teatrão, chamavam “bifes”- breve ninguém suportava nem falar , nem ouvir textos de mais de 4 linhas. Hoje sabemos que era por causa de uma impaciência nata das pessoas impacientes daqueles tempos, meio modernamente apressadas, modernamente em 1920 diga-se de passagem. O que foi devidamente corrigido por alguns que escrevem 200 páginas para uma só réplica. A descoberta fundamental é que o ator sendo aristotelicamente veraz o público será aristotelicamente atento. E admirado por ver tanto pensamento em uma só pessoa em palco. Beckett escreveu bifes maravilhosos. E o melhor de Shakespeare foram seus bifes- quase tratados de filosofia oferecidos a preços populares, pense num “ ser ou não ser- eis a questão! De que vale ao Homem...” Aquilo que se chamava monólogo, não muito aconselhado, é hoje uma coleção de obras de rara beleza e inteligência. O “ monólogo interior “ da literatura infestou tudo, Graças a deus.

a)       Minha ficha está toda marcada apenas na primeira coluna. Sou conhecido por dar 10 para todo aluno no primeiro dia de aula. Tiro o peso o peso da comparação de cima de minha carreira e devolvo ao aluno o que só cabe a ele: segurar a peteca de ter que fazer um trabalho de qualidade cada vez maior ao longo de sua vida e não apenas no semestre. Receber um 10 de chofre é uma responsabilidade e faz do aluno o construtor de seu próprio caminho. Além de fazê-lo sempre se surpreender e dizer, mas que diabos está acontecendo aqui? E a surpresa diante da vida ainda é o maior sinal de inteligência que podemos demonstrar. Em sua “Reconstrução de um gabinete contemporâneo de arte e curiosidades”, Bazon Brock fez do “aprender a maravilhar”  uma forma análoga ao processo de alienação ( Verfredumg brechtiano) ” A velha sabedoria filosófica sugere que primeiro aprendamos a nos maravilhar (maravilhar) novamente, o que não significa nada além de poder olhar e entender algo que é muito conhecido ou insignificante com olhos diferentes, ou seja, manipulá-lo.”

b)      Então, amigos...

c)       então...

d)      um 10 surpresa, de sopetão é como um beijo no asfalto.

e)      Na boca! ( que final esplêndido de cena!!)

f)        Um 10 dado faz de nós, professores, tanto co-adjuvantes quanto profetas, de pro+FATERI, “reconhecer” ou “declarar publicamente perante todos” que aqui vieram, como alunos, para mudar os números do mundo e não apenas repeti-los. (uso uma expressão antiga, que designava “Número”, uma peça teatral ou musical. Portanto em teatro apenas existem todos os números, não apenas a sequência decimal)

g)       Digo assim minha própria surpresa diante do palco onde vocês viveram histórias absolutamente extraordinárias.

h)      Afinal, querem que eu diga o que, se em meu léxico não há palavras nem números nem nada que possa dar a medida justa, exata do que vi ao ver vocês?

i)        Posso dar uma fichinha clássica que usamos em crítica teatral.

j)        Posso falar da luz, mas não vou, por pedido súplice de nosso diretor e quase-cleison para não o fazer. Mas não posso deixar de marcar aqui que a luz pode funcionar como importante personagem, por exemplo se feita por Cleison. Para acrescentar que – vou voltar a esse ponto do chamado palco desnudo- a ausência dela ou seu uso mais simplificado não significam necessariamente pobreza ou desconhecimento do papel desse elemento na cena. Pode ser. Mas pode ser também uma opção. Pode-se realçar algo por sua ausência: basta se ouvir todos os silêncios em música para vermos como se criam os ritmos por exemplo. E num pouco menos, mas na mesma direção, basta se ver as sombras da escola flamenga de pintura para se sentir que luz extraordinária há nela ou como no butoh ao se mover buscando áreas de sombra de um corpo que dança. Mesmo com todas as súplicas de Emmanuel, a luz foi algumas vezes sugestiva ( um vermelhão) e em geral foi funcional. Mantendo o nível dos espetáculos.

k)       Etc e Figurino: se houvesse apenas um- repito: apenas um- figurino muito bem feito e os outros menos ou se fossem funcionais já teria sido uma mostra de que há cuidado nessa escola. Mas não. Houve bem mais do que apenas um. Eu fiquei siderado com a Blanche e suas luvinhas, tinha o frescor e o desatino de um dos personagens mais fabulosos da dramaturgia americana, ao lado da irmã, mais simples na roupa, mais pé no chão. Que eu saiba, é assim que se faz figurino. A roupa determina o personagem. Claro, há os que fazem figurino de teatro porque deveriam ter sido alfaiates e não artistas, bem talhado, mas meio fora de propósito.  Não vi isso acontecer ontem. Pelo contrário.  Coisas simples estavam perfeitas, como a roupa formal com ar meio descuidado de um jornal carioca de Robson e Davison em Beijo no Asfalto (1,2). Dois atores IMPRESSIONANTES, digo logo de passagem. Posso me repetir? Há muitos séculos que eu não via um bom Nelson tão Nelson, tão exato. Por aqui andou-se fazendo muito Senhora dos Afogados e tais. Mas de longe, Beijo no Asfalto é a peça mais bem escrita de Nelson, por ser violenta, ainda atual e bem-humorada. E enquanto houver beijos proibidos, será sem dúvida a que estará em cena.  E vimos esse mesmo cuidado com a exatidão e a simplicidade com Clara e Otto (11) e ). Quarteto de atores com um timing de Keith Brannagh...

l)         (*) atores, vão por mim!

m)    Beijo no Asfalto (8) teve 2 coisas muito especiais. Aquele jornal que passava para lá e para cá fixando que Beijo no Asfalto também é uma peça sobre o jornalismo. Sobretudo se lembrarmos que o irmão de Nelson foi assassinado numa Redação por ter saído no Jornal da família notícia difamatória sobre uma dondoca do Rio. Que foi lá, perguntou pelo pai- o dono e responsável- e como ele não estava, disse então vai você mesmo e  baleou o outro Rodrigues. Do mesmo modo que falei da oposição na roupo das atrizes de Tennessee Willians, aqui é esse objeto de cena que insiste em circular causando o problema da peça. Não foi o beijo. Foi ter sido noticiado e explorado.   

n)       A outra coisa especial é que há um crescendo no volume das vozes. O recurso de modulação do som geral da cena ( o que mostra uma boa direção, ou uma boa atuação caso não haja diretor) foi usado em outras peças nessa noite, mostrando domínio do processo de informação ao público.

o)      Mas exatamente o início mais baixo nos fez perder aqui e ali pedaços do texto.

p)      Então vou adiantar o único problema que encontrei em algumas das peças.

q)       (E vou continuar chamando de peças, por mais que haja quem as queira cenas de peças. Já foi o tempo em que precisávamos encher a paciência do público com 2 horas de texto, que podem ser dados com a mesma intensidade e grandeza em simplicíssimos 3 minutos ou 15. Os 3 minutos ficam por conta do DIG e os 15 e até bem menos por conta de Samuel Beckett, e quem irá dizer que Beckett não foi o grande inventor da exatidão na moderna dramaturgia?)

r)       O problema foi que o texto não chegava lá embaixo.

s)       Vamos devagar com isso: a colocação da voz e a boa dicção são basicamente responsáveis pelo alcance da voz em relação ao público. Nada a ver portanto com “ falar baixo” ou “ falar naturalmente”. Se você quer um bom Stanislavski, fale naturalmente como se ele estivesse conversando consigo. E isso pode ser bem baixinho. Pois o que faz sua voz chegar até o fundo da plateia é como você articula os sons e não seu volume. Esse é um maravilhoso recurso que matou definitivamente o teatro em tom declamatório. E não se aperreie tanto, pois Brecht requer tons declamatórios de vez em quando   E isso é a coisa mais normal do mundo quando se sobe ali pelas primeiras vezes: a pressão de estar na frente daquele mundaréu tensiona a garganta e nos atrapalha a articulação. Então se algum ou outro ficou nos devendo alguns pedaços das falas -e aconteceu-  isso certamente deve ser corrigido, pois o terceiro elemento essencial de todo teatro somos nós, o distinto público.  Mas foram casos esparsos.

t)        No todo os atores mostraram uma técnica aprimorada. Vou apenas dar o exemplo dessa atriz fabulosa chamada Aline no Vidigal de Emmanuel. Fixa, no meio do palco, com uma simplicidade de gestos, falando em tom baixo até o crescendo brechtiano numa cena que só merece um nome: delicada. E um texto que requeria dela um tom de lamento, tristeza, o que em geral não dificulta a articulação, mas pode nos pregar peças se nos entregarmos demasiadamente a ele. Acresce que Aline nos prendeu no timing perfeito da fala.

u)      E aqui também tenho que parar para falar de todos: pessoal, vcs pareciam de verdade! Isso Aristóteles chamava de verossimilhança e exigia como marca do bom teatro. O QUE NÃO É FÁCIL E QUE É A PRINCIPAL MARCA PELA QUAL A GENTE RECONHECE ALGUEM “QUE NUNCA PISOU NO PALCO”, como disse divertidamente nosso diretor ao anunciar os primeiros passos de vocês. Claro ele estava brincando com seus pupilos. Eu o conheci como aluno e se há uma virtude em Emmanuel é a confiança que ele tem nas pessoas e, portanto, nos seus alunos. Ele tinha certeza de que todos eram e iam demonstrar serem estrelas de primeira grandeza, alguns mesmo prá lá de hors-concours. Isso sou eu quem garante, essa certeza é minha.

v)       Timing. Tempo de resposta. Sem ele parece que se está esquecendo do texto ou com medo de falar em público. Essa foi a grande noite do timing. Coisa de grandes atores.

w)     E raramente se vê um grupo de atores novos amar tanto o público como vocês.

x)       Entre atores e público do Ato I Foi paixão mútua à primeira vista.

y)       Antes de terminar sou obrigado a registrar o pequeno toque de modernidade ao longo das peças. Vou chamar esse ponto de palco desnudo e sua ocupação

z)       Ou: COMO DEIXAR O PÚBLICO CRIAR UM UNIVERSO INTEIRO SÓ COM DUAS COISINHAS

aa)   O que falo é moderno, mas vem entre outros dos gregos e de Shakespeare. A criação do teatro moderno deu-se com o advento dos Diretores como figuras centrais e administrativas- vide Lessing e a Dramaturgia de Hamburgo- e com a noção de espetáculo. Ambos resultaram em enormes novidades que acabaram, com tanta beleza, por entupir a cena.

bb)   A reação dos anos 60 foi de simplificar o palco -sobretudo o cenário uma vez que Gordon Craig já estava a imaginá-los gigantescos. O praticável veio substituir quase tudo. E foi sem dúvida algo como a invenção da roda. Uma das peças mais famosas da modernidade pede apenas uma árvore e um banquinho. Isso é Beckett.

cc)     (Palco vazio. Sete cadeiras pretas. Som do rádio)- isso é anos 60, isso é Julio Conte aqui oportunamente relembrado porque os ovos da serpente voltaram a ser chocados na presidência.

dd)  Quando vemos atores e uma simples mesa aqui e ali, como que passeando pelo palco ao longo das encenações, pontuando-nos visualmente todo o espaço, indo ocupar até a boca de cena, lugar íntimo dos admiráveis David e César em Partilha;  ou quando vemos plaquinhas pautando o espaço da atriz (Vidigal) -  não há como não pensarmos que estamos diante de um Shakespeare. Em 1500 o cenário era simples e eficaz assim. A mesma simplicidade e eficácia das quais Beckett quase que abusará.

ee)   Para terminar (viram porque me recusei a falar muito ao final dos espetáculos? eu iria dizer tudo o que aqui disse hoje ) tenho que confessar que quando vi os módulos fiquei inquieto. Três linhas de força da modernidade estavam lá.

ff)      Mas por mais que Stanislavski seja trabalhoso- e como dá trabalho a naturalidade forjada em palco! - partilharam esse esforço conosco David e  César; Clara Mariinha; Duda e Luisa Bondes de desejos frustrados; Gotan,Lucas e Bento no Mundo de Mônica e Emmanuel; Marina, Ilana e Letícia ás voltas com aquele jornal rodrigueano  do Beijo no Asfalto, a outra Clara e Otto levando Nelson à perfeição na já comentada  cena 11, Wilgberto e Ubirajara, absolutamente poderosos nos altos e baixos desse texto poderoso de Bosco Brasil; Lucas, Bárbara e Davison, os três no timing exato do assustadoramente atual Bailei na Curva

gg)    Por mais que Brecht seja um quase-deus de reverências e referências à Verfrendungs  ( cfra texto sobre o maravilhar-se in https://www.textpraxis.net/sonja-lehmann-verfremdet-wiederbelebt )

hh)  O Brecht das quartas paredes, do “apontamento duplo” onde o ator deixa claro que está mostrando um personagem da peça, que por sua vez mostra uma situação da vida cotidiana ou da vida e da realidade.

ii)       Brecht aprendiz, fascinado pelo teatro chinês escreverá: “Então se você assistir um ator chinês, você não vê menos de três pessoas ao mesmo tempo, uma apontando e duas mostradas.” Céus como Brecht estica a vida do ator! Nós vimos Ana, Nina, Maya e Vanessa se fazerem de 12 pessoas no palco, a palo seco, se fazendo Côro grego, se fazendo Outros e todos  e todes, se fazendo nós e nos distanciando mostrando e apontando para onde olhar. Jesus, que querem que eu diga?

jj)      Só posso dizer que depois dessa obra prima brechtiana ainda vinha o Artaud.

kk)   Aí fiquei inquieto.  

ll)       Porque Artaud é o cara. Porque é tão o cara que nem ele conseguiu mostrar como era que queria uma encenação. Seu Cenci foi um desastre. Mas. É esse mas que faz toda diferença entre, digamos por exemplo, um Bolsonaro, eka, e um presidente de uma república.

mm)          MAS suas afirmações sobre o que é ou como deve ser o teatro, são sem dúvida o pensamento mais fabuloso desde que Tespis puxou uma carroça e saiu por ai.

nn)  Caty, Gabriel, Gui, Patrícia, Rodolpho- e juro que não fumei nadinha mas devo ter delirado como nos velhos tempos pois vi 6 , uma indígena-deusa, duas nativas e 3 portugueses desembarcando na terra dos papagaios e araras. Sei que a deusa ao fundo era katakali, porque é um jogo que canaliza histórias de seres sobrenaturais que eram nossa mata, nosso céu, nossos barulhentos pássaros, nossa tropicalidade que assustava tanto nosso Gilberto Freyre com Y ao projetar um Instituto para domesticá-lo, aqui, em Recife, ali em Apipucos. Na linha oposta de quem afirmou que toda escrita é porcaria e, anti-conservador, colocou o teatro como o lugar privilegiado de uma germinação de formas que refazem o ato criador, formas capazes de dirigir ou derivar forças

oo)  Posto isso, The vocality gleaned from Artaud's work is pervaded by the spectrum of yelling.

pp)  As colocações de Artaud sobre os corpos, a crueldade – que foram bem exploradas em Germinar- me parecem poder em cena serem concentradas numa só forma- e nos sons de voz que ele tanto usou para acabar com o julgamento de deus- o grito.

qq)  O grito da deusa-indígena concentrou nele tudo: todo Artaud e todas as peças que precederam nesta noite e toda nossa história de grupos que sisificamente tentam carregar o teatro para a frente, para as próximas gerações, para a humanidade que deverá vir.

rr)     Então vou terminar agradecendo o foguinho de esperança que reascenderam no coração de um velho professor de teatro ( por favor aumentem o volume : https://www.youtube.com/watch?v=U6lO5L_tNNo ) me permitindo mais uma vez gritar com Artaud

ss)    and...

tt)     … the vocality gleaned from Artaud's work is pervaded by the spectrum of yelling A noisy man, an outcry. Yelling has a distress call embedded in its etymology but, nevertheless, Artaud goes even further and his howl supports a rumorous practice, from the Latin rumor, rustle, murmur, in favour of the affirmation. A yell and an affirmation. The yell goes through the hospital, nursing home and psychiatric institutions that provide no nurture for his conflicts, pierces trough the language in which the word, often domesticated or moralized, does not allow a certain wildness of the creative act to flourish, breaks through creating a necessary disturbance, an uncomfortable furor. The noise between words, the noise of crisis, the noise of a language falling apart, the noises of the mind. The yell brings ugliness and amoral violence. Explosion. A nervous animal, a poorly done aesthetic, no refinement, no elegance.

uu)  No refinement, No elegance. Did you understand?

vv)   Tente mais uma vez:

ww)                       und dies analog zum Verfahren der Verfremdung beschrieben:

xx)    Schon alte Philosophenweisheit legt uns nahe, zunächst wieder das Staunen (Wundern) zu lernen, was nichts anderes meint, als dazu fähig zu sein, etwas für allzubekannt Gehaltenes oder für unbedeutend Gehaltenes mit anderen Augen anzusehen und zu begreifen, also zu manipulieren.

 

 

https://www.escavador.com/sobre/5188983/paulo-tarcisio-andretti-michelotto

https://draft.blogger.com/blog/posts/8512088918583936006?pli=1

 

 

 

 

 

 

 

 

sexta-feira, 13 de dezembro de 2019

sofia & aurora


Sophia & Aurora, vi hoje o espetáculo de vcs e fiquei orgulhoso e feliz.
Eu talvez reduziria o texto falado . Em parte por eu estar com uma considerável perda de audição em um lado E MESMO assim puder VER o espetáculo! Isso é: pareceu -me que o todo das danças, cenário, luz, elementos de cena ( como as águas riscadas no chão e imediatamente apagadas  ) conseguiram por si só me fazer acompanhar os problemas e esperanças dos personagens. Juro que uma hora me desliguei de tudo e fiquei vendo vcs se moverem dentro da luz e através das águas como num elemento único e moldável, mutável , onde os personagens se espalhavam e se espelhavam um no outro. Como na vida. Como na vida.
Juro que não fumei nada.
E em parte porque todos textos alem do falado ( dança, cenário, luz...) me parecem perfeitamente aptos a nos falar dos personagens. Então não me senti prejudicado por ter um handicap auditivo: pude entrar em cena com vcs.
Desculpem não ter falado logo depois com vcs porque há muito tempo que não via Clébia- que amo perdidamente como amo vcs- e fiquei grudado nela, matando saudade ,depois da peça.
Tb porque sei que vcs estão aqui em nosso Dig e eu poderia voltar para casa e mostrar o quanto vcs estão dentro de meu coração e o quanto me orgulho de termos passado alguns anos trabalhando juntos.
Proficiant! ( vão em frente!)
Bjs

quinta-feira, 7 de fevereiro de 2019

O VAZIO É CHEIO DE COISAS


POEMA MÜHLEMBERG
Há algo que me marcou profundamente nesse espetáculo de Poema.
A absoluta exatidão de movimentos em que o olhar dela puxa as mãos e as mãos seguem lenta lenta lentamente puxando os braços, os braços os ombros, os ombros o tronco subdividido em músculos e músculos e pernas que agarram e pés ganchos ou pouso suave.
Isso, o pouso suave de um corpo vigoroso. Poema faz crer que há lei da gravidade sim pois há corpo e força. Mas ao mesmo tempo tudo flui como se essa maldição da Terra não existisse. A natureza dela ama se esconder- fusus criptestai filein- sob uma fluidez calma, mansa e delicada. E quem disse isso foi Heráclito e quem comentou foi Heidegger .
Então, me desculpem, não sei se o que vou dizer é para se pensar.
1-     Perguntas para críticos e corpos em movimento
Em geral, pegamos a coisa, dividimos em pedacinhos e esvaziamos a carcaça e reenchemos tudo com o mais deslavado dos racionalismos: explicamos tudo. Se não podemos falar sobre as coisas de que elas nos adiantam? Nossa voz é nosso movimento de posse do mundo.
Em geral dizemos ”entendemos” e com isso dizemos engoli, degluti, faz parte de mim agora. Conhecer é um movimento de colocar para dentro tudo o que se move fora de nós. Quantas metáforas sobre o conhecimento, sobre a arte, a cultura, como alimento! Cultura já é um legein, colher e como tal revela o alimento.
Conhecer se põe como movimento em direção ao interior. Nosso, do mundo. A isso chamaram arché: o princípio. De princeps, primeiro, portanto supondo muitos. Trocamos no ocidente pós Darwin esse termo por “origem”, ponto onde se origina, onde começa. E com isso iniciamos nossa gigantesca matança da multiplicidade e da diversidade. Diferentemente, princeps, principal , greco-romano, gera Outros, Diversos.
Então um oco pode ser princeps, dificilmente origem. Aqui só um  zen  colocaria a metáfora do conhecer num bambu cujo centro é um oco. Que vazio é esse se só sabedoria?
Há um conhecimento contudo que nos exterioriza, nos abre ao meio e  nos deixa à mostra.
Como saltar do bambu para o movimento, para a dança?
Usar primeiro os olhos não para o externo, vara, número um pitagórico dependurado  em desenho de luz- mas o interno, oco, princeps lotado de toda sabedoria dos Outros, segundos, terceiros, infinitos, ilimitados, apeiron?
Como? Voltando a uma das teses capitais de Aristóteles: a da inexistência do vazio (Kénon) absolutoseparado dos corpos. Não há lá vazio sem corpos. E essa é a profundidade oca do termo apeiron;  vazio, cheio de ilimitações. Como continuar a supor como Kant, opondo-se a Aristóteles, que sendo forma a priori da sensibilidade o vazio não teria corpos?
E já que estamos entrando no universo do sensível, como saltar do oco do bambu, que ama se esconder como a natureza, para a dança, se essa é movimento, e se movimento se expõe ao olhar?
Ou se dizendo novamente: Aristóteles escreveu sobre o vazio, referindo o movimento local (Phorá), ou seja, o movimento de um corpo de um lugar para outro:
Como recuperar então o movimento de um corpo no vazio? Voando? Voando singularmente? Voando com os outros? Originando dança, principiando dança, dançando com os outros?
Como recuperar o vôo, se não somos zen, não somos aristotélicos, não somos gregos, não somos nada além de um corpo?
Vou repetir. Não sei se o que vou dizer é para se pensar.
Dança-se com os olhos- ensinou-me um dos livros do Yakusha Rongo,
Porém.
A dança contemporânea de Poema Mühlemberg ousa apagar nosso olhar e nosso  espaço descendo uma noite em palco e deixando nosso olhar vagar no vazio, no ilimitado no apeiron lá onde tudo se inicia e tudo se movimenta. Ousa iniciar a arché – o início primordial- com chuva, água, elemento em que Tales de Mileto supunha estar dependurada a Terra.
Para rapidamente ousar supor o ilimitado, apeiron, o vazio e transformá-lo no principio de tudo, na arché, seguindo os passos de Anaximandro contra Tales. E ainda num mesmo balanço dos movimentos do Universo, ousa como os pitagóricos postular que do vazio nasce um ponto, o numero um, e o pendura, agora vara de bambu, no centro da escuridão e evolui por sobre ele nos envolvendo o olhar.
Vou repetir. Não sei se o que vou dizer é para se pensar
2-Sobre bambus
No Japão e na China acredita-se que seu tronco oco, serve de morada aos deuses.

3- sobre busca da sabedoria no vazio
Há um ensinamento zen sobre o interior oco do bambu. É como um espaço livre que deveríamos deixar em nossa mente. Uma abertura em nosso ser.
4- sobre o Vazio
o objeto da filosofia é, para Spinoza, o vazio., (althussser)
5- sobre o Vôo, e o vôo bem sucedido de Poema
et caelum certe patet; ibimus illac:
e o céu certamente está aberto: é para lá que iremos
omnia possideat, non possidet aera Minos."
pois
Minos posue tudo, o ar Minos não possue.
Ovidio, metamorfose,viii
Todo vôo dessa menina me parece uma oferta
para enfrentarmos os que nos prendem à terra,
mas não são donos dos céus.
6- um pouco de história dos võos mal-sucedidos
We have always envied birds their wings. From angels to superheroes, avian-human hybrids have been fixtures of myth, legend and art. In the 9th century, the celebrated Andalusian inventor Abbas ibn Firnas fashioned a pair of wings out of wood and silk, attached them to his back, covered the rest of his body in feathers, and jumped from a promontory. He avoided the fate of his forebear Icarus, but a witness reported that ‘in alighting… his back was very much hurt’. Leonardo da Vinci sketched scores of plans for winged, human-powered flying machines called ornithopters. Batman’s pinion-pointed cape looms over popular culture. ‘Red Bull gives you wings,’ promise the energy drink’s ads.
Novamente:
porque insistir que eu fale na parte técnica sobre gente que está além da técnica , que é simplesmente monstro? Nunca vi tantos num só festival.

ENCERRAMENTO DO AMOR



CLÔTURE DE L´AMOUR
Do amor e suas cercas.


Li dois colegas meus.
Danilo que escreveu sobre essa montagem e Lionel Fischer, esse último  sobre a peça com a direção de Luis Felipe Reis.
Notas iniciais, a partir de meus colegas
1-   A verborragia de mais de duas horas de espetáculo (Danilo)
Eu diria que a peça se constitui em dois gigantescos bifes.
Esse o nome que se dava ao falar de um personagem que tivesse mais de meia página. Mas tanto bife quanto verborragia são termos usados em geral para textos  de dramaturgos ruins ou muito muito antigões. Um Shakespeare para anunciar a morte de Ophelia, põe na boca de Gertrude um filé inteiro. Mas que bife!
There is a Willow growes aslant a Brooke,
That shewes his hore leaues in the glassie streame:
There with fantasticke Garlands did she come,
Of Crow-flowers, Nettles, Daysies, and long Purples,
That liberall Shepheards giue a grosser name;
No meio das flores- lembrem-se que o autor nos brindou, em ATRIZ, com uma atriz deitada no meio das flores, certamente bebendo a imagem nessas muddy waters de Shakespeare – o maldito bardo coloca uma flor que tem um grosser name, algo como caralho, pois essa é sua forma. Pesquisem no Google. Então de bandeja está a nos dar uma mescla de coisas românticas com coisas safadas, um leve tom pornô elisabetano. No fundo daquele rio morre a beleza e morre a sexualidade.
Foi como li essas purples, e não como os críticos ou apressados, essas “cold Maids”....But our cold Maids doe Dead Mens Fingers call them:
Essas coisas – o autor nisso é implacável pois é assim que falamos da ficção cênica para lhe dar “realidade”, parecendo uns tratados kantianos- podem ter uma significação precisa dentro do contexto da peça e então não é mais um bife nem verborragia: é inteligência.
Permitam que eu me explique, se é que preciso depois de Gertrude:
a-   O truque literário é bem simples: escrevem-se os diálogos, depois separam-se todas as falas e de novo se as junta segundo cada personagem. Entenderam, o truque? Pois agora vão lá e escrevam suas peças, pois estamos precisando.




b-   Foi a partir daí que meu amigo de papel Fischer fez a pergunta:
porque o autor juntou tudo, fazendo opção por discursos isolados?
Responde, como conjectura, que assim saímos dos bate-papos tradicionais entre casais o que permite que tudo que um personagem diz seja escutado pelo outro e pelo público. As razões que dá são interessantes por propor que um francês teria bastante razões intelectuais para fazer isso, o que deu à peça um tom por demais cerebral.
Como diz Ada: discordo, ah discordo!
( Desculpem, não era a vez dela.)
Não sei o que o autor pretendeu, mas sei o que escreveu e como escreveu.
E é só o que tenho.
A crítica literária se especializou em escavar a vida e obra de autores para tentar elucidar o que eles insistiam em fazer mistério, porque senhores, um texto é apenas um pedaço solto de mistério. Dramas porém nunca foram lá tão boa “literatura”, pois escritos na própria raiz da escrita, o visual, foram feitos para serem vistos. Por isso os gregos daquele século V glorioso, ao descobrirem a escrita, descobriram o teatro, abrindo o futuro para tudo o que fosse virtual. Pela mesma razão monges medievais iluminavam letras iniciais e enchiam velhos textos com desenhinhos bem mal feitos mas que cold Maids cool illuminations call them.
E como não ver que o texto que temos é apenas o da representação, do que se re-apresenta face a nós. Conceito que Barthes estendeu para tudo que fosse tecido e não apenas as letrinhas,literae, impressas em papel perecível para segurar a história contada pelo autor e perpetuar sua memória entre nós?
Algo se nos apresenta através das sombras e entrelinhas que se lhe criam às quais nomeamos  desenho de luz (meu deus qual iluminador se seguraria para manter só aquela linha, faixa, fixa no palco? Esse rapaz é muito bom, senhores!) 
Algo se nos apresenta num espaço próprio que lhe comprime, nos reprime e toda hora temos que indicar ao público: isso é cena, isso é teatro, isso é cenário, e às vezes: não bote uma parede aqui na frente ó Brecht!  E creio- é artigo de fé- que uma dramaturgia que se expande vigorosamente “verborrágica” , talvez esteja exatamente também construindo essa parede entre  eles o os Outros, performers e seu público. Pela estranheza causada pelo retorno para trás, para o textão.  Nem vou citar meu cupincha Samuel- já está ficando chato e já estão até atacando o pobre, mas na verdade a mim, porque são apenas interpretações dele e não ele mesmo, sou eu na minha ignorância e errância que chamo algo “ isso é Samuca!”. E nem é. É só saudade besta de um grande amigo.
Mas, danem-se, aqui o autor sou eu e  vou citar sim pois é só o título de obra: “texticules”, textes pour rien. .  Se isso, como os purples da Rainha Gertrude não for referência clara a clássicos textões, não sei o que é. Testículos certamente, já que Samuca tem um humor irlandês como Freak Fischer mais anthropo que muita conversa.
Algo se nos apresenta diretamente na casca externa do atores, voz, gestos, trejeitos, ações, entonações, corridas para voltar ao foco, à luz. Não foi erro de ator, é errância: eles saem e entram e saem da luz. Interpretar não e só chegar lá e flexionar o texto, coisa que esses três também dão um banho. Não é só gesticular “corretamente”, não se apontando com o dedo, digitalmente, para o trem onde está escrito isso é um trem. Interpretar é encontrar as pequeninas sombras que nosso corpo projeta no espaço quando nos expomos e mostrá-las, indicar os lugares onde se aninham as luzes em forma de sombras. João e Ada fizeram esse percurso com uma maestria que dá ódio só ter descoberto isso bem velho como eu.
Esses guris de Brasília estão me apavorando.
Já disseram da região de nascimento de Jesus, mas temos que glosar: há algo de bom que nasce em Brasilia?
Há, pode? 
Deuses, não consigo escrever sem pensar o tempo todo em Renata, meu Jesus predileto. Desculpem-me as citações da Bíblia. Nem sou pastor.
Depois desse lapso gigante verborrágico sobre a encenação e a peça,volto à peça e aos que a comentaram, incluindo eu mesmo.
Porque foi o único ponto fraco da minha noite.
Para ser francêsa- coisa aventada por Lionel, talvez tenha mais a ver com Molière que com filosofia. O Côrno Imaginário é uma peça de 1600 e picos e é moderna, é quase teatro do absurdo como queria o Esslin, o rapaz alemão que mais errou sobre Samuel e sobre absurdo, apesar de ter sido o texto que mais influenciou os anos 60, se dizia.
Molière escreveu a primeira peça em que ninguém conversa com ninguém: é um diálogo de surdos- também como se dizia, como se a falta de sons e de verborragia e bifes nos impedisse de dialogar.  Pocquelin prenunciou uma série de textos em que as pessoas não conseguem se comunicar- sobre a incomunicabilidade humana portanto- quase prevendo que a Europa iria se lascar em duas guerras mundiais que iriam gerar esse sentimento de frustração diante do Outro, tão bem nomeado por Sartre, Camus e outros francêses.
Aqui, fechando esse ciclo francês de discussão sobre textos e testículos, não há bife, nada é verborrágico. É técnica de escritura que ressalta o não se interessar do personagem pela opinião do outro uma vez que se fala se fala e se fala em nome do outro:” mas foi você, você quem ...”etc.
Antes de falar em Koltès,  ou bancar o diretor: só há uma coisa – ó coisa- que eu mudaria na encenação dessa peça: não haveria o Outro em cena. Só evocado, pois parece-me uma das grandezas da cena teatral é a de nos fazer ver o que não está no palco, mas por trás de tudo.
O teatro moderno mudou um pouco essa escritura fazendo-nos ver tudo, até quem passa pelo fundo por estar com a pauta para treinar o sapateado.
Ou, em gag, pois está na hora de se mudar o foco de um personagem para o outro. Achado divertidíssimo dessa peça, que é melô- sempre mistura presenças fortes de texto com presenças desconexas porque se apresentando como reais, de imagens. Como Ada comendo banana enquanto João se acaba em argumentos.
Agora permitam-me voltar a Koltès
Claro, prefiro de longe Koltès.
Solidão nos Campos de Algodão fala exatamente do mesmo lugar e exatamente  desta maneira, a dois. Não junta. Deixa o bate-boca, que por sinal é bate-boca mesmo porque tanto o dealer como o comprador estão amedrontados um com o outro. E isso não enfraquece em nada o texto. Mas Koltès foi um dos grandes  e provavelmente – pelo que vi do autor de Clôture- bem mais refinado.  
Inicia com bifes gigantescos de cada personagem e aos poucos vai reduzindo o texto de cada um (uma página, meia, um quarto, 10 linhas, 5, 4, 3..) ao se dirigir ao outro, até se trocarem frases curtas. Os personagens se aproximam, por aproximar o tempo de fala, por aumentar o tempo de escuta. E isso só um Koltès fez. Deixando para o publico a pergunta final: “então quais as armas?”
As armas são as palavras, a luta a comunicação.
Isso aparece bastante também em Clôture de l´Amour.
A palavra aparece ligada a paradigmas, linguagem ou discussões chiques pós-estruturalistas, zombadas por Ada.  Dessa vez a palavra aparece como palavra e não como arma, apesar de João e Ada se digladiarem o tempo todo. Ai entra aquilo que chamamos preferências ou gosto, devidamente zombado já por Voltaire na história de que sapo gosta de sapas. Prefiro de longe Koltès. E vou inventar um palco para minha escolha: esse Brasil em que as armas-tolas serão liberadas.
Armas são as palavras que todo tempo tentam nos retirar.
E finalmente conseguiram fazê-lo com Renata e, claro, nós todos.
Já que me armei, vou incluir agora uma observação que caberia depois mas não terei chance de voltar a ela.
Vi um autor dizer que esse texto é interessante porque na maioria dos textos a voz masculina é a mais forte e termina por vencer de algum modo e que em Clôture  é a mulher quem leva a melhor. Discussões sobre mulheres à parte, creio que foi o que me chateou no texto: João é só agressão e culpabilização. Ada ainda o ama(?), ela ainda estende a mão para ele. Fiquei com a terrível sensação de que João era um puta escroto e Ada gente boa, sofrida, mas forte.
E isso me conduz rapidamente à nefanda moral da história.
Desde quando precisamos de moral em nossas histórias? Quousque tandem abusaremos da paciência de nosso público escolhendo a conclusão por ele, dando-lhe conselhos e depois achando ruim de pastores, padres, diretores teatrais, bolsoninhos e tantos perversos bolsos e tantos perversos ninhos e toda tralha que quer fazer nossa cabeça à força, nos orientar, guiar?
Em nome de que deuses, ó deus?!!!
Dito isso, em voz bem alta e pedindo licença a João para roubar-lhe a fúria, é bela a cena em que só aparece o braço.
Mais bela ainda pelo fato de um e outro repetirem tantas vezes marcas corporais físicas, “ levanta a cabeça” etc.
Coisa tão bem anotada por meu amigo Fischer, esse rapaz que agora estou seguindo nas redes .
A cena reafirma o que as marcas textuais insistem em botar em nossa cara e assim devolvem ao corpo o epicentro dessa tsunami verbal.
 O que os disgraça não é a razão cartesianamente francesa ou razões.
Mas o corpo e seus espaços, nomeado aqui e ali aos pedaços e posto todo tempo sob controles: ‘não chora”, levanta a cabeça”, endireita a coluna”.
Os mesmos controles que críticos ( “ prefiro assim” “ creio”, “ penso” Pense , logo desista, céus!!), diretores, coreógrafos, ditadores e outros fdp costumam exigir de atores, bailarinos, brasileiros, humanidade, não?
De alguma maneira esse texto me fala mais do nosso corpo dentro do jogo de interpretação que de uma relação qualquer homem/mulher em bate-boca. Controlei vocês? Mandei recado? Porque insistimos em ser tolos tantas vezes e tanto tempo? Só há uma relação séria e importante em teatro: a do corpo do ator com os corpos de seu público.
Os Outros somos a distração.
Em clôture, o que está tentando se juntar é um corpo. Há um corpo feito, nomeado, aos pedaços em cena e isso é talvez o melhor de todo o texto.
Isso é o que realmente separa, num espaço sagrado, agora também palco, um do outro. Porque clôture pode ser clausura- que separa a vida religiosa do mundo- ou pode ser aquele lugar nas igrejas reservado para o clero, separando-o dos fiéis.
A palavra clôture aqui usada pelo autor provavelmente tem essa significação e não a do óbvio” encerramento”.  Peçam-me as traduções da próxima vez, que farei com prazer.
Prefiro cercas, portanto. Estamos ilhas cercados de palavras por todos os lados.
Vejo a ação se passar num ensaio, sobre um palco, onde  há uma “quarta parede”. E refere-se ao público várias vezes (“eu me dei a eles”,a nós portanto- diz Ada). Nesse referencial, encontrei em clôture uma metáfora maravilhosa desse mesmo palco italiano que coloca uma conversa de surdos lá em cima, num espaço sagrado, separado desde a subida dos atores ao iniciar a peça.
E, cá em baixo, os Outros, dos quais o texto dessa peça não duvida nem por um segundo serem ouvintes e videntes. Coisa bem francêsa.
Ora, não somos.
Tanto não somos que o autor teme que o bate-boca dos antigos amantes  nos perturbe e não nos permita ver que eles não conversam, não conversaram nunca e não conversarão jamais, mesmo que chovam melancias dos céus de Recife. Talvez essa seja uma boa razão para a escolha do autor de juntar tudo, meu caro Fischer. O que nos une, uniu e iunirá, não é razão, é fascinação. E lá no apartamento ao lado agora um senhor de meu tempo coloca todo dia em volume 10 músicas de seu e meu passado.
Fascinaram a ele e a mim.
Não reclamo porque continuo fascinado. Fascinado, mesmo que não tenham sido exatamente sadias- apenas cacarecos do que fomos e estou introduzindo nosso misantropo aqui de novo - as memórias que se colaram nesses sons, nessas músicas, nessas peças, os Outros sons, as conversas, os papos, as revoltas de minha eterna juventude esquerdista que tentamos à força reviver.  O fdm está tocando fascinação com Nat King Cole e eu vou fazer uma pausa porque estou chorando, fascinado comigo mesmo e minha história pessoal , romanticamente passada como se passada, como perda, como fim.
Qual.
Nunca perdemos nada.
Vou chorar um pouquinho e voltar para cá.

c-   Creio que não me fiz entender por me estender demais, fazendo um bife gigantesco desse meu texto. Estou fazendo meu papel de macho crítico, sou João.
d-   Vou resumir: O texto literário de Clôture de l´Amour me coloca várias dúvidas sobre suas qualidades e pelo menos uma sobre sua tradução. Então creio que algo faltou na minha noite, por conta desse senhor. Não me importam quantos prêmios tenha recebido, não me importam que bons pensamentos tenha o autor e quantas outras peças geniais tenha escrito. Até Molière escreveu “pastorais” para o Luis XIV dançar, tremendas porcarias que não diminuem em nada O Côrno Imaginário...
Agora é a fala de Ada: Não permito que fale de meu trabalho!





e-   Falo sim, pois sou eu quem apaga as luzes aqui.
A-  Sempre acho que fica mais fácil de se trabalhar com um bom texto  dramatúrgico. Esse , como disse ,me deixa preocupado.Substituiria por um Molière ou um Koltès .Mas não sou eu que decide isso. Criticos são apenas público. Faço questão de lembrar isso.
B-   O extraordinário é quando um  texto que na minha apenas opinião não é o melhor consegue ser defendido com tanta força e inteligência. Rapaz, cada um desenvolve 50 minutos de fala e nós nem nos movemos. Vcs ouviram cadeiras com ruídos, tosses inoportunas, roncos abafados ou coisas tais? Esses dois atores conseguem nos segurar na ponta das vozes deles sem nos largar. Estou dizendo isso até  porque acho coisas belas no texto e outras bem menos interessantes.
C-  E no entanto.
D-  E no entanto  fiquei eu lá, em suspenso. E olha que estava sentado numa daquelas fileiras de trás, miserável cujo espaço entre cadeiras não permite se esticar a perna- teatros titicas que nós temos e que não respeitam o público mas querem que ele venha lotá-los,
E-  Perdoem não dar os nomes corretos agora, por causa da hora e não dá tempo de conferir. Mas corrigirei para a edição final,ok?
F-   Então: atores fa-bu-lo-sos. Fazendo uma peça-textão, difícil mesmo e como já cansaram de dizer: indo contra algumas correntes modernas que foram eliminando a fala sonora do personagem em favor de uma noção mais ampla de texto. Noção da qual meu amigo Barthes foi um dos tecedores.
G-  A direção-e olha que odeio diretores!- foi limpa e precisa. Não sei se o intermezzo do sapateado e a queda  final da melancia sanguinolenta fazem parte do texto original.
H-   Se fazem: que achado!
I-     Se não fazem, e é invenção de algum de vocês: que achado!
J-   Aquele simples corredor de luz é tudo. O local de tanta grandeza de vida anterior é sombrio. “Você é grande”- me parece ter ouvido João falar de Ada.
K-  Aquele palco é tudo. Um presente do escritor que decidiu colocar atores ensaiando e discutindo consigo mesmos. Tudo falsamente nu.
L-   Aquele público, que maravilha! Em Recife, dia de chuva, lá para aquelas bandas?!!! E tudo fascinado. Lindo, não? Só chorando!
M-  Bota o Nat King Cole ai por favor

  CONSTRUÇÃO DO ATOR ATO I ATO I DATA 05/08/2022 PROF. PAULO MICHELOTTO   HÁ MUITO O QUE FALAR. VOU ESCREVER PARA OS ALUNOS VOU ...