MISANTHROFREAK
En dedans
Eu disse que é uma pauleira.
É uma pauleira.
Eu vi ali um legítimo Beckett pelo humor ácido, típico de
irlandeses, ingleses e por extensão
norte americanos.
Mas não consigo ver Rodrigo assim, estou achando que Rodrigo Fischer é um metaleiro.
Estranho dizer isso de um cara que tem o cinema no sangue e o reverencia e referencia constantemente. Dele pode-se falar em design de som também. Sons não são mais elementos etéreos que entram e saem por ouvidos. O cinema deixou de ser mudo apenas porque descobriu-se como desenhar o som. E MacLaren passou a se divertir no Canadá em rabiscar a trilha no celuloide...Não sei se viajei redondamente mas ouvi perfeitamente o trenzinho caipira de Villa lobos no final, numa versão incrível. Ouvi Rodrigo balbuciar como se estivesse num Achadouro, e passar o tempo numa gama extraordinária de sons vocais. Sons. Sons. Imagens acústicas como queria Saussure criando a linguística e o estruturalismo. Cujo processo de significação – e portanto de ressignificação- não se dá pela referência de um significante a um sentido (aqui bobamente explicado como a palavra árvore remetendo ao sentido que temos de árvore) mas de um significante a um significante, numa cadeia infinita de sons. Quase que falamos por falar, quase que falamos para fazer ruído e não ficarmos com medo de estarmos sós, quase que falamos por termos todo o tempo do mundo e estaríamos dando estofo a ele, preenchendo-o, deprimidos talvez por horizontes sem luz.
Mas não consigo ver Rodrigo assim, estou achando que Rodrigo Fischer é um metaleiro.
Estranho dizer isso de um cara que tem o cinema no sangue e o reverencia e referencia constantemente. Dele pode-se falar em design de som também. Sons não são mais elementos etéreos que entram e saem por ouvidos. O cinema deixou de ser mudo apenas porque descobriu-se como desenhar o som. E MacLaren passou a se divertir no Canadá em rabiscar a trilha no celuloide...Não sei se viajei redondamente mas ouvi perfeitamente o trenzinho caipira de Villa lobos no final, numa versão incrível. Ouvi Rodrigo balbuciar como se estivesse num Achadouro, e passar o tempo numa gama extraordinária de sons vocais. Sons. Sons. Imagens acústicas como queria Saussure criando a linguística e o estruturalismo. Cujo processo de significação – e portanto de ressignificação- não se dá pela referência de um significante a um sentido (aqui bobamente explicado como a palavra árvore remetendo ao sentido que temos de árvore) mas de um significante a um significante, numa cadeia infinita de sons. Quase que falamos por falar, quase que falamos para fazer ruído e não ficarmos com medo de estarmos sós, quase que falamos por termos todo o tempo do mundo e estaríamos dando estofo a ele, preenchendo-o, deprimidos talvez por horizontes sem luz.
Viajei muito. não foi? Mas porque haveria eu de sentir um
trem constante nesse trajeto, da
nomeação isso é um cachimbo, perdão, isso é um trem até ao meu fantasmagórico
trenzinho de Villalobos, senão porque nosso personagem apenas anda , apenas
perfaz um percurso , qualquer de um ponto qualquer a outro qualquer, sem limite
de palco e platéia, de cima ou debaixo, quase um grego à busca do local de
origem de sua maldição?E quando essa maldição são os sons quando querem significar
, as imagens quando querem significar e apenas nos entopem o caminho como
pedras no sapato, dentro ou fora de lugar- para onde ir?
Non sequitur é o humor que nos resta. O humor inglês.
O humor de Fischer.
Beckett deixou inúmeros persongens à espera. Todo teatro que nos precedeu deixou o público à espera, brechando através do buraco da boca do palco – nos disse Barthes e parou de ir ao teatro. A descoberta do non sequitur nos parece ser por haver duas maneiras de se olhar: sequencialmente, uma coisa atrás da outra, fazendo de conta que no universo há causalidade. Ou empilhada ou paradigmaticamente, uma coisa por cima da outra, em bloco. Pensando em bloco como se dizia nos anos 60, por conta do Heinlim, me parece.
Estranhos numa terra estranha.
Despossuidos até de nós mesmos. Tendo apenas um ponto de partida. Aquele onde Fischer se coloca para começar a se mover. Lembrando-me miseravelmente do personagem de Katastrophè de Beckett.
O humor de Fischer.
Beckett deixou inúmeros persongens à espera. Todo teatro que nos precedeu deixou o público à espera, brechando através do buraco da boca do palco – nos disse Barthes e parou de ir ao teatro. A descoberta do non sequitur nos parece ser por haver duas maneiras de se olhar: sequencialmente, uma coisa atrás da outra, fazendo de conta que no universo há causalidade. Ou empilhada ou paradigmaticamente, uma coisa por cima da outra, em bloco. Pensando em bloco como se dizia nos anos 60, por conta do Heinlim, me parece.
Estranhos numa terra estranha.
Despossuidos até de nós mesmos. Tendo apenas um ponto de partida. Aquele onde Fischer se coloca para começar a se mover. Lembrando-me miseravelmente do personagem de Katastrophè de Beckett.
Rodrigo Fischer para mim é um Samuel empilhador,
paradigmático, aquele que prende os personagens a uma árvore seca-“ árvore”,
exclamará Saussure para exemplificar o signo- a um quarto em Filme, a um pedestalzinho em
Katastrophè, a Vasos em Comédia. Diferente porém, onde seu humor é menos
francês que inglês. Diferente onde Samuel corta, fica simples, porque empilha
com lógica, Rodrigo empilha e pronto, não necessita ligar nada ao lado.Aliás,
não necessita. Preenche o mundo com cacarecos sonoros e cacarecos de imagens parecendo
vasculhar um gigantesco lixo de computador: é lixo, é abandono, mas tudo foi
algum dia uma imagem nossa, um documento nosso, um selfie nosso. Esse
misantropo nada molieresco não dá chance, não cede a nenhuma perspectiva, não abre nenhum
horizonte romântico. Não estamos mais trafegando absurdos.
Porque no fundo onde Rodrigo nos desce só há escombros.
Seu texto é palimpsesto, escrito em pele, por sobre outro texto raspado.
Porque no fundo onde Rodrigo nos desce só há escombros.
Seu texto é palimpsesto, escrito em pele, por sobre outro texto raspado.
Essa insistência na escritura é que me deixou pasmo.
Pensei que ia ficar deprimido, como fico em tantos outros textos que afundam. Rodrigo deu uma volta enorme e me deixou no mesmo lugar de onde ele começara: em pé, querendo me movimentar.
E creio que nisso reside a enorme força política desse seu texto.
O mundo exterior invade todo o tempo esse pequenino universo circular.
Nem que seja de trem.
Pensei que ia ficar deprimido, como fico em tantos outros textos que afundam. Rodrigo deu uma volta enorme e me deixou no mesmo lugar de onde ele começara: em pé, querendo me movimentar.
E creio que nisso reside a enorme força política desse seu texto.
O mundo exterior invade todo o tempo esse pequenino universo circular.
Nem que seja de trem.
Não me peçam para falar em ficha técnica.
A turma dele é
profissional.
MISANTHROFREAK
En dehors
Mesmo assim não me peçam para falar da ficha técnica.
Isso a gente fala quando pode contribuir tecnicamente com
algum grupo.
Isso a gente fala quando crê que crítico sabe mais que o artista
que construiu, ou quando cremos que crítico seja um engenheiro de sentidos.
Eu sou crítico, me orgulho disso e sei perfeitamente que há
obras que me ultrapassam.
E que a melhor contribuição que posso dar aos artistas
envolvidos é dizer que fui ultrapassado por eles.
1-Por exemplo: assisti em vídeo a peça e não achei legal o
tempo dado à boneca inflável nem à acochada. Cena que deu algum ruído na plateia
tb.
Mas fui ultrapassado: a cena toda é delicada e talvez a mais reconhecidamente
romântica de todo o texto. Quando a desmonta esvaziando o ar, pneuma grego, ruâh de Javé, sopro de
samuel há uma impossibilidade gigantesca se enchendo no palco, impossibilidade
de dar vida, de contato, metáfora pesada de nossos sites de relacionamentos,
nossas redes sociais que nos emaranham prometendo o contato total e universal,
nossa cena que nos une com desconfianças.
Porque nosso zap, nossa web, é nossa boneca inflável.
E muitas vêzes estamos navegando cada vez mais para dentro, pra longe e para fora, em busca de contato,.
E muitas vêzes estamos navegando cada vez mais para dentro, pra longe e para fora, em busca de contato,.
Sem tato.
Aquilo que achei cortável – porque crítica é de kritein,
cortar- não era.
Muito pelo contrário.
2- A cena ao fundo construindo um lugar, onde habita boneco-vivo que a mim assustou, criação de alguns filmes de terror dentro de uma tradição americana cinematográfica antiga que era de ódio a crianças e filhos. A cena introduz o trem da próxima viagem, cuja realidade é a nominação: isto é um trem.E cujo movimento transforma natureza em movimento de passar, passagem, paisagem.O trem nomeado estará iniciando a mesma viagem que o personagem inicia ao entrarmos no teatro.
Achei desnecessária em video, achei que repetia o que já estava dizendo.
Imaginem!!!
E a verdade é que eu havia perdido
um link importante.
O link era aquele teatrinho de
sombras ao fundo, mais uma vez teatro de encontros e o encontro era de uma
infância reencontrada por um ursinho de
pelúcia, em cujo fundo histórico habita o próprio personagem , à procura, mais
uma vez dançando e perdendo como numa micro-cena do encontro com a boneca
inflável.
Cena multiplicada dessa vez, pois à mesa, ao
fundo e bem à frente em evidência, em vidência, bem na frente, bem na sua cara,
em cine, kinè, breve só movimento.
E por isso, por um segundo me pareceu superficial a raiz do
que algum crítico nomeara como estética ou marca registrada de Misanthrofreak:
o cinema.
Achei que o boneco parecia Chuck e fui parar onde um crítico me orientara. E errara. Afinal se Édipo erra, porque não críticos.
Mas, por segundos, pareceu-me que Rodrigo está mais para Kinematógrafo. Entendido como a possibilidade de se registrar , se escrever sobre o movimento, com o movimento, em movimento.
Achei que o boneco parecia Chuck e fui parar onde um crítico me orientara. E errara. Afinal se Édipo erra, porque não críticos.
Mas, por segundos, pareceu-me que Rodrigo está mais para Kinematógrafo. Entendido como a possibilidade de se registrar , se escrever sobre o movimento, com o movimento, em movimento.
Escrever em
movimento,.
Pois kinè é isso e nisso
Rodrigo é mais grego que Sófocles- apesar dos percursos deste, da errância
eterna de seu Édipo.
Misanthrofreak hoje para mim é pura kinè .
E rodrigo um grego aristofãnico. Da comédia. Do riso que castiga. Simplesmente invertendo, como Heidegger as interpretações: sua marca é fania e aristos: mostrar aos poucos.
Misanthrofreak hoje para mim é pura kinè .
E rodrigo um grego aristofãnico. Da comédia. Do riso que castiga. Simplesmente invertendo, como Heidegger as interpretações: sua marca é fania e aristos: mostrar aos poucos.
E para isso ele se movimenta: para mostrar.
Mostra-nos o escondido e não a evidência
covarde.
Mostra-nos o fracasso
composto de tentativas e não a única que se sucede a todas e por isso nomeamos tolamente
sucesso.
Mostra-nos o erro, da errância do Sujeito, diversidade de
caminhos, escolha impossível do certo, mero acaso da descoberta. Porque todo erro
sempre encobre apenas a sua verdade,
nunca se descobre nada que não esteja já no erro, já encoberto.
Des-velar talvez, pois contem a vela da nau onde navegamos em tecnologias e contém o desvelo que é o cuidado essencial quando tratamos com as coisas dos humanos.
Rodrigo vela e desvela conosco.
Des-velar talvez, pois contem a vela da nau onde navegamos em tecnologias e contém o desvelo que é o cuidado essencial quando tratamos com as coisas dos humanos.
Rodrigo vela e desvela conosco.
Mostra-nos o esforço de
mover a perna, de quebrar pedras que impedem de mover a perna, o esforço de recolocá-las
de volta no lugar para que se siga focando o esforço e não a vitória, a
tentativa e não o andar, o caminho e não para onde ele leva.
E é a esse movimento que chamamos méta odos.
E é a esse movimento que chamamos méta odos.
Misanthrfreak é a anarquia-
sim pois se trata de archè- mais metódica que já passou por nosso palco.
Rodrigo passa caminhando.
E deixando pedrinhas como um Joãozinho .
Protegendo -nos, público, Marias.
Para sabermos os caminhos de volta para casa, ele reconstruiu
milimetricamente sua história, deixando marcas e pistas aqui e ali cercando um conjunto todo precioso – visivelmente disforme,
perdido em busca de sentidos, porém centrado nos dois sentidos mais comuns dos desencontros de nossa história : o ouvir e o
ver.
Com carinho soa aqui, ressoa ali ,
faz eco mais à frente , fala uma só frase, exercitada com as mais brilhantes
técnicas vocais, tentando apesar de barítono -
o cara dos sons graves, porque tudo em teatro é grave e a gravidade é a
lei maioir que prende todo vôo- tentando
dizer , repito, em altos, arethas,baixos,arnaldos, graves,
agudos,, caetanos , do inicio ao fim apenas
um só e completo verso :
estamos sós, mas não é o que queremos.
E só faz isso para sabermos o caminho de volta pra casa.
Pois não me pareceu nem um instante que Rodrigo pretendesse destruir a casa.
O seu não é um teatro dos
anos 60.
Esse quadrado de
madeira ou pedra nos guarda e protege de monstruosos ursos que insistem em se
levantar de dentro de nós para mostrar: vejam sou coberto de peleúrcia, sou feroz, sou bosque paisagem, céus e esporros, céus
e tentativas de primitivos rabiscos dentro da noite, noite dia, claro escuro,
viagem para trás onde minha natureza se encontra com as outras e solta o que
está em mim.
O que realmente sou: naturalmente monstro.
Deu para sentir como , só num maldita cena ,eu bobeei diante
do monstro e por isso fiquei total e indelicadamente ultrapassado?
Shakespeare tinha uma técnica de repetir a peça em micro-cenas ou pecinhas dentro da peça. Rodrigo monta montanhas de pedacinhos de texto que se juntam dentro de nossas cabeças aos poucos, sem precisar de ligação tipo “ e então, como dissemos segue que, mas, porém, e, agora mais do nunca faustão,inexoravelmente, visto que não viram, cena I e agora cena II, isso é um trem e isso é o som de um trem e a palavra trem dita é justamente o som de um trem´
E enche os espaços com papéis e frases que supostamente poderiam ligar o todo, ou nos ajudar a ir em frente.
Shakespeare tinha uma técnica de repetir a peça em micro-cenas ou pecinhas dentro da peça. Rodrigo monta montanhas de pedacinhos de texto que se juntam dentro de nossas cabeças aos poucos, sem precisar de ligação tipo “ e então, como dissemos segue que, mas, porém, e, agora mais do nunca faustão,inexoravelmente, visto que não viram, cena I e agora cena II, isso é um trem e isso é o som de um trem e a palavra trem dita é justamente o som de um trem´
E enche os espaços com papéis e frases que supostamente poderiam ligar o todo, ou nos ajudar a ir em frente.
A encenação para o tio, tida como um escárnio por parte de Hamlet,
é em verdade apenas um desses momentos. O público elisabetano fazia um pouco de
tudo dentro dos teatros e muitas vezes não acompanhava o texto principal, além
de chegar atrasado nas peças por se estar duelando com alguém.
Rodrigo ficou com pena do publico e deu uma chance a mais para continuar seguindo seus passos trôpegos num caminho só de pedras, pois de um teatro que não se quer educativo, jesuítico, romântico ou seja lá o que for de fazedor de cabeças.
Rodrigo ficou com pena do publico e deu uma chance a mais para continuar seguindo seus passos trôpegos num caminho só de pedras, pois de um teatro que não se quer educativo, jesuítico, romântico ou seja lá o que for de fazedor de cabeças.
É apenas um
papo.
E do que talvez mais nosso tetro esteja precisando: um longo
papo com nosso público
Um longo, interminável e aparentemente sem objetivo algum
papo. Que se mede pela forma de fazê-lo, que significa por formas e não por
ideias vagas ou frases bem feitas como essas que estou tentando escrever aqui.
Breve, na melhor
tradição do texto moderno depois de um Stearn, um Joyce, um Samuel.
E podemos acrescentar,
tranquilamente, desse menino, Rodrigo.
DIREÇÃO
ATUAÇÃO
TEXTO
DESIGN DE SOM
DESIGN DE LUZ: RODRIGO FISCHER
DESENHO DE VÍDEO
ANIMAÇLÃO
RESPONSÁVEL TÉCNICO: FERNADO GUTIERREZ
PRODUÇÃO: YASMIN SANTANA
CINEASTAS: PETER AZEN 7 JULIANO CHIQUETTOATUAÇÃO
TEXTO
DESIGN DE SOM
DESIGN DE LUZ: RODRIGO FISCHER
DESENHO DE VÍDEO
ANIMAÇLÃO
RESPONSÁVEL TÉCNICO: FERNADO GUTIERREZ
PRODUÇÃO: YASMIN SANTANA
FIGURINO: DIANA DINIZ
02.02 / 03.02
19 HORAS
TEATRO APOLO
ESTETÁCULO COM ÁUDIO-DESCRIÇÃO E LIBRAS