segunda-feira, 4 de fevereiro de 2019

MISANTHROFREAK


MISANTHROFREAK
En dedans



Eu disse que é uma pauleira. 
É uma pauleira.
Eu vi ali um legítimo Beckett pelo humor ácido, típico de irlandeses, ingleses e por extensão  norte americanos. 
Mas não consigo ver Rodrigo assim,  estou achando que  Rodrigo Fischer é um metaleiro. 
Estranho dizer isso de um cara que tem o cinema no sangue e o reverencia e referencia constantemente. Dele pode-se falar em design de som também. Sons não são mais elementos etéreos que entram e saem por ouvidos. O cinema deixou de ser mudo apenas porque descobriu-se como desenhar o som. E  MacLaren passou a se divertir no Canadá em rabiscar a trilha no celuloide...Não sei se viajei redondamente mas ouvi perfeitamente o trenzinho caipira de Villa lobos no final, numa versão incrível. Ouvi Rodrigo balbuciar como se estivesse num Achadouro, e passar o tempo numa gama extraordinária de sons vocais. Sons. Sons. Imagens acústicas como queria Saussure criando a linguística e o estruturalismo. Cujo processo de significação – e portanto de ressignificação- não se dá pela referência de um significante a um sentido (aqui bobamente explicado como a palavra árvore remetendo ao sentido que temos de árvore) mas de um significante a um significante, numa cadeia infinita de sons. Quase que falamos por falar, quase que falamos para fazer ruído e não ficarmos com medo de estarmos sós, quase que falamos por termos todo o tempo do mundo e estaríamos dando estofo a ele, preenchendo-o, deprimidos talvez por horizontes sem luz.
Viajei muito. não foi? Mas porque haveria eu de sentir um trem constante nesse trajeto,  da nomeação isso é um cachimbo, perdão, isso é um trem até ao meu fantasmagórico trenzinho de Villalobos, senão porque nosso personagem apenas anda , apenas perfaz um percurso , qualquer de um ponto qualquer a outro qualquer, sem limite de palco e platéia, de cima ou debaixo, quase um grego à busca do local de origem de sua maldição?E quando essa maldição são os sons quando querem significar , as imagens quando querem significar e apenas nos entopem o caminho como pedras no sapato, dentro ou fora de lugar- para onde ir?
Non sequitur é o humor que nos resta. O humor inglês. 
O humor de Fischer. 
Beckett deixou inúmeros persongens à espera. Todo teatro que nos precedeu deixou o público à espera, brechando através do buraco da boca do palco – nos disse Barthes e parou de ir ao teatro. A descoberta do non sequitur nos parece ser por haver duas maneiras de se olhar: sequencialmente, uma coisa atrás da outra, fazendo de conta que no universo há causalidade. Ou empilhada ou paradigmaticamente, uma coisa por cima da outra, em bloco. Pensando em bloco como se dizia nos anos 60, por conta do Heinlim, me parece.
Estranhos numa terra estranha. 
Despossuidos até de nós mesmos. Tendo apenas um ponto de partida. Aquele onde Fischer se coloca para começar a se mover. Lembrando-me miseravelmente do personagem de Katastrophè de Beckett.
Rodrigo Fischer para mim é um Samuel empilhador, paradigmático, aquele que prende os personagens a uma árvore seca-“ árvore”, exclamará Saussure para exemplificar o signo-  a um quarto em Filme, a um pedestalzinho em Katastrophè, a Vasos em Comédia. Diferente porém, onde seu humor é menos francês que inglês. Diferente onde Samuel corta, fica simples, porque empilha com lógica, Rodrigo empilha e pronto, não necessita ligar nada ao lado.Aliás, não necessita. Preenche o mundo com cacarecos sonoros e cacarecos de imagens parecendo vasculhar um gigantesco lixo de computador: é lixo, é abandono, mas tudo foi algum dia uma imagem nossa, um documento nosso, um selfie nosso. Esse misantropo nada molieresco não dá chance, não cede a  nenhuma perspectiva, não abre nenhum horizonte romântico. Não estamos mais trafegando absurdos. 
Porque no fundo onde Rodrigo nos desce só há escombros. 
Seu texto é palimpsesto, escrito em pele, por sobre outro texto raspado.
Essa insistência na escritura é que me deixou pasmo. 
Pensei que ia ficar deprimido, como fico em tantos outros textos que afundam. Rodrigo deu uma volta enorme e me deixou no mesmo lugar de onde ele começara: em pé, querendo me movimentar. 
E creio que nisso reside a enorme força política desse seu texto. 
O mundo exterior invade todo o tempo esse pequenino universo circular. 
Nem que seja de trem.

Não me peçam para falar em ficha técnica. 
A turma dele é profissional.




 MISANTHROFREAK
En dehors

Mesmo assim não me peçam para falar da ficha técnica.
Isso a gente fala quando pode contribuir tecnicamente com algum grupo.
Isso a gente fala quando crê que crítico sabe mais que o artista que construiu, ou quando cremos que  crítico seja um engenheiro de sentidos.
Eu sou crítico, me orgulho disso e sei perfeitamente que há obras que me ultrapassam.
E que a melhor contribuição que posso dar aos artistas envolvidos é dizer que fui ultrapassado por eles.
1-Por exemplo: assisti em vídeo a peça e não achei legal o tempo dado à boneca inflável nem à acochada. Cena que deu algum ruído na plateia tb.
Mas fui ultrapassado:  a cena toda é delicada e talvez a mais reconhecidamente romântica de todo o texto. Quando a desmonta esvaziando o ar, pneuma grego, ruâh de Javé, sopro de samuel há uma impossibilidade gigantesca se enchendo no palco, impossibilidade de dar vida, de contato, metáfora pesada de nossos sites de relacionamentos, nossas redes sociais que nos emaranham prometendo o contato total e universal, nossa cena que nos une com desconfianças.
Porque nosso zap, nossa web, é nossa boneca inflável.  
E muitas vêzes estamos navegando cada vez mais para dentro, pra longe e para fora, em busca de contato,.
Sem tato.
Aquilo que achei cortável – porque crítica é de kritein, cortar- não era.
Muito pelo contrário.

2- A cena ao fundo construindo um lugar, onde habita boneco-vivo que a mim assustou, criação de alguns filmes de terror dentro de uma tradição americana cinematográfica antiga que era de ódio a  crianças e filhos.  A cena introduz o trem da próxima viagem, cuja realidade é a nominação: isto é um trem.E cujo movimento transforma natureza em movimento de passar, passagem, paisagem.O trem nomeado  estará iniciando a mesma viagem que o personagem inicia ao entrarmos no teatro.
Achei desnecessária em video, achei que repetia o que já estava dizendo.
Imaginem!!!
E a verdade é que eu havia perdido um link importante.
O link era aquele teatrinho de sombras ao fundo, mais uma vez teatro de encontros e o encontro era de uma infância reencontrada  por um ursinho de pelúcia, em cujo fundo histórico habita o próprio personagem , à procura, mais uma vez dançando e perdendo como numa micro-cena do encontro com a boneca inflável.
 Cena multiplicada dessa vez, pois à mesa, ao fundo e bem à frente em evidência, em vidência, bem na frente, bem na sua cara, em cine, kinè, breve só movimento.
E por isso, por um segundo me pareceu superficial a raiz do que algum crítico nomeara  como  estética ou marca registrada de Misanthrofreak:  o cinema. 
Achei que o boneco parecia Chuck e fui parar onde um crítico me orientara. E errara. Afinal se Édipo erra, porque não críticos.  
Mas, por segundos, pareceu-me que Rodrigo está mais para Kinematógrafo. Entendido como a possibilidade de se registrar , se escrever sobre o movimento, com o movimento, em movimento.
 Escrever em movimento,.
 Pois kinè é isso e nisso Rodrigo é mais grego que Sófocles- apesar dos percursos deste, da errância eterna de seu Édipo. 
Misanthrofreak  hoje para mim é pura kinè . 
E rodrigo um grego aristofãnico. Da comédia. Do riso que castiga. Simplesmente invertendo, como Heidegger as interpretações: sua marca é  fania e aristos:  mostrar aos  poucos.
E para isso ele se movimenta:  para mostrar.
Mostra-nos o escondido e não a evidência covarde.
Mostra-nos o fracasso composto de tentativas e não a única que se sucede a todas e por isso nomeamos tolamente sucesso.  
Mostra-nos o erro, da errância do Sujeito, diversidade de caminhos, escolha impossível do certo, mero acaso da descoberta. Porque todo erro sempre encobre apenas  a sua verdade, nunca se descobre nada que não esteja já no erro, já encoberto. 
Des-velar  talvez, pois contem a vela da nau onde navegamos em tecnologias  e contém o desvelo que é o cuidado essencial quando tratamos com as coisas dos  humanos.
Rodrigo vela e desvela conosco.
Mostra-nos  o esforço de mover a perna, de quebrar pedras que impedem de mover a perna, o esforço de recolocá-las de volta no lugar para que se siga focando o esforço e não a vitória, a tentativa e não o andar, o caminho e não para onde ele leva. 
E é a esse movimento que chamamos méta odos.
Misanthrfreak  é a anarquia- sim pois se trata de archè- mais metódica que já passou por nosso palco.
Rodrigo passa caminhando.
E deixando pedrinhas como um Joãozinho .
Protegendo -nos, público, Marias.
Para sabermos os caminhos de volta para casa, ele reconstruiu milimetricamente sua história, deixando marcas e pistas aqui e ali cercando  um conjunto todo precioso – visivelmente disforme, perdido em busca de sentidos, porém centrado nos dois  sentidos mais comuns dos  desencontros de nossa história : o ouvir e o ver.  
Com carinho soa aqui, ressoa ali , faz eco mais à frente , fala uma só frase, exercitada com as mais brilhantes técnicas vocais, tentando apesar de barítono -  o cara dos sons graves, porque tudo em teatro é grave e a gravidade é a lei maioir que prende todo vôo-  tentando dizer  , repito,  em altos, arethas,baixos,arnaldos, graves, agudos,, caetanos ,   do inicio ao  fim apenas  um só e completo verso : 
estamos sós, mas não é o que queremos.  
E só faz isso para sabermos o caminho de volta pra casa.
Pois não me pareceu nem um instante que Rodrigo pretendesse  destruir a casa. 
O seu não é um teatro dos anos 60.
Esse  quadrado de madeira ou pedra nos guarda e protege de monstruosos ursos que insistem em se levantar de dentro de nós para mostrar: vejam sou coberto de  peleúrcia, sou  feroz, sou bosque paisagem, céus e esporros, céus e tentativas de primitivos rabiscos dentro da noite, noite dia, claro escuro, viagem para trás onde minha natureza se encontra com as outras e solta o que está em mim.
O que realmente sou: naturalmente monstro.  
Deu para sentir como , só num maldita cena ,eu bobeei diante do monstro e por isso fiquei total e indelicadamente  ultrapassado?
Shakespeare  tinha uma técnica de repetir a peça em micro-cenas ou pecinhas dentro da peça. Rodrigo monta montanhas de pedacinhos de texto que se juntam dentro de nossas cabeças aos poucos, sem precisar de ligação tipo “ e então, como dissemos segue que, mas, porém, e, agora mais do nunca faustão,inexoravelmente,  visto que não viram,  cena I e agora cena II, isso é um trem e isso é o som de um  trem e a palavra trem dita é justamente o som de um trem´ 
E enche os espaços com papéis e frases que supostamente poderiam ligar o todo, ou nos ajudar a ir em frente.
A encenação para o tio, tida como um escárnio por parte de Hamlet, é em verdade apenas um desses momentos. O público elisabetano fazia um pouco de tudo dentro dos teatros e muitas vezes não acompanhava o texto principal, além de chegar atrasado nas peças por se estar duelando com alguém. 
Rodrigo ficou com pena do publico e deu uma chance a mais para continuar seguindo seus passos trôpegos num caminho só de pedras, pois de um teatro que não se quer educativo, jesuítico, romântico ou seja lá o que for de fazedor de cabeças. 
É apenas um papo.
E do que talvez mais nosso tetro esteja precisando: um longo papo com nosso público
Um longo, interminável e aparentemente sem objetivo algum papo. Que se mede pela forma de fazê-lo, que significa por formas e não por ideias vagas ou frases bem feitas como essas que estou tentando escrever aqui.
 Breve, na melhor tradição do texto moderno depois de um Stearn, um Joyce, um Samuel.
 E podemos acrescentar, tranquilamente, desse menino, Rodrigo.


DIREÇÃO
ATUAÇÃO
TEXTO
DESIGN DE SOM
DESIGN DE LUZ:                  RODRIGO   FISCHER

DESENHO DE VÍDEO
ANIMAÇLÃO
RESPONSÁVEL TÉCNICO:   FERNADO GUTIERREZ

PRODUÇÃO:                      YASMIN SANTANA    
CINEASTAS:                         PETER AZEN 7 JULIANO CHIQUETTO

FIGURINO:                          DIANA DINIZ

02.02 / 03.02
19 HORAS
TEATRO APOLO
ESTETÁCULO COM ÁUDIO-DESCRIÇÃO  E LIBRAS

ACHADOUROS -TEATRO PARA BEBÊS


“Por meio da encenação poético-teatral, da exploração da linguagem não verbal e do conceito de ressignificação de objetos do cotidiano, ACHADOUROS propõe...”
(programa)

Resignificar o mundo é talvez nossa mais profunda experiência.
Alice, a maravilhosa pirralhinha a meu lado disse “quando vai começar a peça?”. E emendou- após a mãe bem adulta garantir que já era a peça- “mas elas estão brincando!”. Alice estava ressignificando.  Alice me pareceu naquele momento  uma senhora de 80 anos, mas  estava ressignificando o país das maravilhas que era onde Caísa e Nara,  aquelas duas criaturas fantásticamente maternas estavam se divertindo. Sim, pois se maternidade pode ter alguma significação, certamente era aquilo que estávamos vendo.
 Alice entendeu que aquilo não era trabalho e talvez tenha desaprendido naquela hora que existe apenas uma coisa que chamamos peça. Existem peças e peças, basta irmos ressignificando o teatro. Mas, garanto,  a primeira vez ao longo de meus 75 anos que vejo um teatro para bebês. E estou há apenas meio século em Recife, mas parece-me que posso dizer que está sendo a primeira vez que vemos esse conjunto de signos recolocados em cena visando diretamente o olhar felino e  inclemente , o ouvido de infinitas sonoridades , a sensibilidade à flor da pele e a pele das mães ainda não habituadas a permitirem a algazarra desgovernada, o choro desconsolado, o riso sem fim, a observação gritada fora de hora. Enfim um teatro atento a tudo o que toda criança faz com maestria: ser sensível ao mundo e recriá-lo com profusão.
Crianças ressignificam tudo o tempo todo e por isso dizemos com orgulho que são nossos  filhos, que são da espécie humana.
Manoel de Barros refez não só o mundo da criança como o mundo todo. As lesmas jamais serão as mesmas, depois de Manoel de Barros. Muito menos as crianças. Foi Artaud quem disse que depois de van Gogh os girassóis iriam imitar os dele. Depois do coletivo Criadouros, deveríamos todos imitá-los.
Mas não falei da encenação ainda.
Dramaturgia, cenário, figurino, sonoplastia, design de luz, performance de atores, diretor ó meu deus diretor, precisam lá de recomendação depois que montes de crianças não conseguiam sair do palco, grudadas na história balbuciada, montes de mães de montes de crianças se diziam “ ah eu é que queria estar lá!”, como a mãe de Alice me sussurrou  a meu  lado, montes de pais-homens  embasbacados por terem perdido o uso do balbucio há alguns séculos de machismo, racionalismo e tantos istmos, montados quais cavalos pensavam sob o peso amável de seus  filhotes’ também fui criança”...quem hipnotiza humanos assim com seus próprios primeiros vagidos precisa lá de alguma recomendação?
Creio e sugiro que hoje a gente sente aqui e fique olhando para essas duas meninas crescidinhas , aqui a meu lado, e digamos todos juntos ao mesmo tempo numa infinita algazarra de vozes que ninguém controla, nem rege nem governa- pois somos da espécie humana e não nos abaixamos-OBRIGADO gurias, deus como vocês nos salvam, sem precisar morrer em cruz alguma, sem dores românticas desnecessárias, sem padecermos em paraísos, apenas nos ensinando mais uma vez , dessa vez em noivos signos, a velha lição: sejai simples e agradareis.
Devo anotar por fim que é de extrema crueldade terem me colocado para assistir Achadouros - puro achado, puro ouro, puro deleite, pura sensibilidade, fineza, cortesia e doçura e doçura e doçura-  algumas horas antes de Misanthrofreak, que é uma pauleira infernal.  
Mas esse é outro texto, apesar de vir da mesma Brasília.
Só falei agora em misantropos  porque tenho certeza que os bebês que passarem pelo canto, pelo balbucio, pelo dançar espreguiçado  de Caúsa e Nara  serão os que amanhã enfrentarão com dignidade e cabeça erguida- humanos porque humanos muito humanos somos- a solidão, o desencontro e toda série escapada da caixa de pandora de nosso século um tanto quanto ligeiramente  conturbado. 
Esses bebês, tenho certeza- poderão dizer amanhã “  o mundo perdeu seu equilíbrio, maldição eu ter nascido para endireitá-lo.
E sairão, mesmo que duramente, a ressignificá-lo.


ELENCO: Caísa Tibúrcio & Nara Faria
DIREÇÃO: José Regino
DRAMATURGIA; Criação Coletivo
FIGURINO: José Regino
CRIAÇÃO MUSICAL: Caísa Tibúrcio & Nara Faria
CENOGRAFIA: Chico Sassi
ILUMINAÇÃO: Marcelo augusto
PRODUÇÃO GERAL; V4  Cultural
PRODUÇÃO EXECUTIVA:Pedro Caroca
DESIGNER GRÁFICO:Jana Ferreira
FOTOGRAFIA:Débora Amorim & Diego Bressani
REGISTRO VIDEOGRÁFICO E EDIÇÃO: Fabiano Morari
                                                       / Cachecol Filmes 

02.02./ 03.02
 teatro marco camarotti 16 hs

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