segunda-feira, 4 de fevereiro de 2019

ACHADOUROS -TEATRO PARA BEBÊS


“Por meio da encenação poético-teatral, da exploração da linguagem não verbal e do conceito de ressignificação de objetos do cotidiano, ACHADOUROS propõe...”
(programa)

Resignificar o mundo é talvez nossa mais profunda experiência.
Alice, a maravilhosa pirralhinha a meu lado disse “quando vai começar a peça?”. E emendou- após a mãe bem adulta garantir que já era a peça- “mas elas estão brincando!”. Alice estava ressignificando.  Alice me pareceu naquele momento  uma senhora de 80 anos, mas  estava ressignificando o país das maravilhas que era onde Caísa e Nara,  aquelas duas criaturas fantásticamente maternas estavam se divertindo. Sim, pois se maternidade pode ter alguma significação, certamente era aquilo que estávamos vendo.
 Alice entendeu que aquilo não era trabalho e talvez tenha desaprendido naquela hora que existe apenas uma coisa que chamamos peça. Existem peças e peças, basta irmos ressignificando o teatro. Mas, garanto,  a primeira vez ao longo de meus 75 anos que vejo um teatro para bebês. E estou há apenas meio século em Recife, mas parece-me que posso dizer que está sendo a primeira vez que vemos esse conjunto de signos recolocados em cena visando diretamente o olhar felino e  inclemente , o ouvido de infinitas sonoridades , a sensibilidade à flor da pele e a pele das mães ainda não habituadas a permitirem a algazarra desgovernada, o choro desconsolado, o riso sem fim, a observação gritada fora de hora. Enfim um teatro atento a tudo o que toda criança faz com maestria: ser sensível ao mundo e recriá-lo com profusão.
Crianças ressignificam tudo o tempo todo e por isso dizemos com orgulho que são nossos  filhos, que são da espécie humana.
Manoel de Barros refez não só o mundo da criança como o mundo todo. As lesmas jamais serão as mesmas, depois de Manoel de Barros. Muito menos as crianças. Foi Artaud quem disse que depois de van Gogh os girassóis iriam imitar os dele. Depois do coletivo Criadouros, deveríamos todos imitá-los.
Mas não falei da encenação ainda.
Dramaturgia, cenário, figurino, sonoplastia, design de luz, performance de atores, diretor ó meu deus diretor, precisam lá de recomendação depois que montes de crianças não conseguiam sair do palco, grudadas na história balbuciada, montes de mães de montes de crianças se diziam “ ah eu é que queria estar lá!”, como a mãe de Alice me sussurrou  a meu  lado, montes de pais-homens  embasbacados por terem perdido o uso do balbucio há alguns séculos de machismo, racionalismo e tantos istmos, montados quais cavalos pensavam sob o peso amável de seus  filhotes’ também fui criança”...quem hipnotiza humanos assim com seus próprios primeiros vagidos precisa lá de alguma recomendação?
Creio e sugiro que hoje a gente sente aqui e fique olhando para essas duas meninas crescidinhas , aqui a meu lado, e digamos todos juntos ao mesmo tempo numa infinita algazarra de vozes que ninguém controla, nem rege nem governa- pois somos da espécie humana e não nos abaixamos-OBRIGADO gurias, deus como vocês nos salvam, sem precisar morrer em cruz alguma, sem dores românticas desnecessárias, sem padecermos em paraísos, apenas nos ensinando mais uma vez , dessa vez em noivos signos, a velha lição: sejai simples e agradareis.
Devo anotar por fim que é de extrema crueldade terem me colocado para assistir Achadouros - puro achado, puro ouro, puro deleite, pura sensibilidade, fineza, cortesia e doçura e doçura e doçura-  algumas horas antes de Misanthrofreak, que é uma pauleira infernal.  
Mas esse é outro texto, apesar de vir da mesma Brasília.
Só falei agora em misantropos  porque tenho certeza que os bebês que passarem pelo canto, pelo balbucio, pelo dançar espreguiçado  de Caúsa e Nara  serão os que amanhã enfrentarão com dignidade e cabeça erguida- humanos porque humanos muito humanos somos- a solidão, o desencontro e toda série escapada da caixa de pandora de nosso século um tanto quanto ligeiramente  conturbado. 
Esses bebês, tenho certeza- poderão dizer amanhã “  o mundo perdeu seu equilíbrio, maldição eu ter nascido para endireitá-lo.
E sairão, mesmo que duramente, a ressignificá-lo.


ELENCO: Caísa Tibúrcio & Nara Faria
DIREÇÃO: José Regino
DRAMATURGIA; Criação Coletivo
FIGURINO: José Regino
CRIAÇÃO MUSICAL: Caísa Tibúrcio & Nara Faria
CENOGRAFIA: Chico Sassi
ILUMINAÇÃO: Marcelo augusto
PRODUÇÃO GERAL; V4  Cultural
PRODUÇÃO EXECUTIVA:Pedro Caroca
DESIGNER GRÁFICO:Jana Ferreira
FOTOGRAFIA:Débora Amorim & Diego Bressani
REGISTRO VIDEOGRÁFICO E EDIÇÃO: Fabiano Morari
                                                       / Cachecol Filmes 

02.02./ 03.02
 teatro marco camarotti 16 hs

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